”Paguem ou morram.” Os cristãos de Mosul que fogem do califa.

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Pagar, converter-se ou morrer. O ultimato do califa Abu Bakr Al Baghdadi deixa três possibilidades aos poucos cristãos que ainda permanecem em Mosul. Uma pequena página para explicar que, com base nas leis corânicas, eles podem viver no ressuscitado Califado apenas sob a condição de pagar a jizya, o pesado imposto que pesa sobre os infiéis.

O comunicado, divulgado na quinta-feira, dirige-se a “todos os cristãos” e lhes dava até o meio-dia do dia 18 passado para a escolha entre as opções, resumidas brutalmente como: um, o Islã; dois, jizya; três, espada.

Todos aqueles que não escolhessem nenhuma dessas três tinham tempo “até o meio-dia de sábado para ir embora”.

A imposição da jizya havia sido anunciada logo depois da queda de Mosul, no dia 5 de junho, e reforça a política de Al Baghdadi em todas as cidades que acabaram sob o domínio do Estado Islâmico (Is, ex-Isis), a formação extremista sunita nascida como um ramo da Al-Qaeda, que conseguiu fundar o primeiro Estado Islamista fora da lei da história.

Depois de um mês, o autoproclamado califa deu o ultimato, mas o prazo havia sido preparado detalhadamente. As casas ainda habitadas por cristãos foram marcadas com um “N” vermelho (de “nazaraniy”, cristão). As abandonadas, em geral requisitadas pelas novas autoridades, com um “N” preto.

Os milicianos agora batem de porta em porta. Quem resiste corre o risco da execução imediata e de ter a sua casa queimada, enquanto o arcebispado, com os seus preciosos manuscritos, já acabou em cinzas nos últimos dias.

Os cristãos em Mosul ainda eram mais de 50 mil, de uma população de 1,8 milhão, antes da queda da cidade. Reduzidos já a um terço daqueles que viviam lá nos tempos de Saddam Hussein, ditador que tinha um olho voltado para a minoria fiel à cruz.

Cerca de 90% fugiram nos primeiros dias de junho. Grande parte dos outros irão seguir o mesmo caminho. A jizyapedida, segundo alguns cristãos que permaneceram na cidade e contatados por telefone, começa em 250 dólares anuais per capita, mas pode chegar facilmente a 1.000, se o chefe de família é um médico ou um engenheiro.

Cifras muito pesadas em uma cidade devastada pela guerra e empobrecida. Só poucos poderão pagá-la. E é previsível que a “limpeza étnica” vai continuar. Uma tragédia que o Papa Francisco também acompanha “com preocupação”.

A dureza da lei medieval também revela um duplo aspecto do Califado que está surgindo na metade da Síria e na metade do Iraque, uma área com 15 milhões de habitantes, em grande parte desértica, mas atravessada por dois rios importantes, o Tigre e o Eufrates.

A aplicação literal dos preceitos corânicos foi acompanhada por uma incessante propaganda nas mídias sociais, também em urdu e em inglês, para se dirigir a muçulmanos que não falam árabe.

A conta do Islamic State Media, que tem muitos seguidores, por exemplo, enfatiza que, em troca da jizya, o califa oferece “proteção” aos cristãos que permanecem ou que os muçulmanos devem pagar o seu imposto, zakat, a esmola obrigatória em favor dos mais pobres: “Se um muçulmano se recusa a pagar a zakat, ele só tem a opção de morrer, enquanto se um kaffir, infiel, não paga a jizya, sempre pode optar por ir embora”.

E tuítes acompanhados por fotos mostram dinheiro e farinha distribuídos aos pobres com base na zakat. Mão de ferro, execuções sumárias, limpeza étnica, mas também medidas populistas (o preço da gasolina foi cortado em 70%) também servem para vencer a batalha ideológica de Al Baghdadi, que deve se fazer aceitar e expandir o califado.

As suas colunas motorizadas estão na ofensiva na Síria, onde conquistaram os campos ao redor de Aleppo e a jazida de gás de Al Shaer, a leste de Palmira. Ao menos 270 soldados e técnicos, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, foram mortos.

No Iraque, o Estado Islâmico rejeitou a ofensiva do governo em Tikrit, gerida de modo tão miserável pelo governo deNouri al-Maliki. Milhares de voluntários xiitas inexperientes foram enviados para o massacre. Bagdá permanece sempre na mira.

Giordano Stabile, La Stampa

”Entram nas casas e levam tudo. É um genocídio”, denuncia arcebispo

“Este é um novo genocídio. A nossa denúncia deve ser forte.” O dramático apelo é de Dom Amel Nona, arcebispo deMosul, a cidade do Iraque donde milhares de cristãos estão fugindo depois da nova perseguição por parte dos jihadistas do Estado Islâmico.

A poucas horas do início da nova onda repressiva, Nona se encontrou em Ankawa, algumas dezenas de quilômetros além da fronteira do Curdistão iraquiano, com os outros líderes religiosos cristãos do centro e do norte do Iraque,Bashar Matiwardah, arcebispo de Erbil, e Nichodemus Daoud Matti Sharaf, da Igreja Ortodoxa Siríaca de Mosul,Kirkuk Curdistão.

O objetivo é unir as forças para mostrar ao mundo inteiro o que está acontecendo nessas regiões, “mais um episódio daquela perseguição aos cristãos que continua desde 1913″.

“As coisas – explica – se precipitaram na sexta-feira. Começamos a receber uma enorme quantidade de telefonemas de Mosul e arredores de pessoas que pediam ajuda e conselhos. A polícia islâmica e o Isis tinham desencadeado uma caça aos cristãos. Uma vez interceptados, concediam-lhes duas opções: fugir ou morrer.”

O prelado conta também que os jihadistas invadiram as casas, levando tudo, passaportes, documentos, dinheiro, joias e celulares. “Centenas de famílias foram despojadas de todos os seus bens antes de serem expulsas da cidade. Outros foram espancados nos postos de controle dos islamitas enquanto fugiam.”

E depois aquela palavra escrita nas portas das casas dos cristãos: “Nazraniy”, um modo para identificá-los de forma pejorativa: “É por isso que se trata de um novo genocídio.” O primeiro passo é denunciar ao mundo o que está acontecendo e, depois, proceder de imediato à ajuda dos deslocados, a primeira onda das quais deve ser de 2.500 pessoas.

“Nós já acolhemos cerca de 50 famílias em uma das nossas igrejas de Al-Qosh”, pouco acima de Tall Kayf, a chamada terra de fronteira, a da linha de fogo onde a distância entre o último ponto de verificação peshmerga e o primeiro do Estado Islâmico é de apenas um quilômetro. É daí que fogem os cristãos, graças aos corredores de segurança criados pelos “Guerreiros que enfrentam a morte” e pela Unicef.

E é justamente o responsável da Unicef no Iraque, Marzio Babille, que logo quis se encontrar com Nona ”para coordenar as operações de primeiro socorro e proteger os perseguidos”. Babille explica que, até agora, 900 deslocados já poderiam chegar em Ankawa, enclave cristão no norte de Erbil.

“Tragédia na tragédia”, continua o arcebispo de Mosul. “No dia 4 de junho, eu fui celebrar missa em uma paróquia fora de Mosul. No dia seguinte, tentei entrar novamente na cidade, mas ocorreu o que vimos.” E que ainda não acabou.

Desde então, Nona não voltou mais para Mosul e ajuda os seus concidadãos de fora, acolhendo-os na fuga: “Então, eu disse que o pior ainda estava por vir, e assim foi”.

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