História dos Santos

História da Vida de Santa Catarina Labouré

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História da Vida de

Santa Catarina Labouré

Catarina, nona filha dos onze filhos dos honestos e religiosos agricultores, Pedro e Luísa Labouré. Nasceu no dia 02 de maio de 1806, na França na pequena aldeia de Fain-les-Moutiers, na região da Borgonha,.

Aos nove anos, perdeu a mãe. Após o funeral, a menina subiu numa cadeira em seu quarto, tirou uma imagem de Nossa Senhora da parede e beijou e pediu-lhe que Ela se dignasse substituir sua mãe falecida.

Passados três anos, sua irmã mais velha, entrou para o convento das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo. Então Catarina, com 12 anos, e sua irmã Tonete, com 10, assumiram as responsabilidades domésticas. Nessa época ela recebeu a Primeira Comunhão. Passou, a partir daí, a se levantar todos os dias às quatro horas da manhã, para participar da Santa Missa e rezar na igreja da aldeia. Tendo inúmeros afazeres, não descuidou de sua vida de piedade, encontrando sempre tempo para meditação, orações vocais e mortificações.

Vocação

Descobriu sua vocação por indicação de São Vicente de Paulo. Certo dia sonhou que estava na igreja e viu um sacerdote já ancião celebrando a Missa. Terminando a celebração, o sacerdote fez-lhe um sinal com o dedo, chamando-a para perto de si. Tímida, ela retirou-se e foi visitar um doente. Este mesmo sacerdote apareceu-lhe, e disse: “Minha filha, é uma boa obra cuidar dos enfermos; você agora foge de mim, mas um dia será feliz de me encontrar. Deus tem desígnios sobre você, não se esqueça”. Então acordou sem entender o sonho.

Um em uma visita ao convento das Irmãs da Caridade de Chatillon, onde estava sua irmã, viu na parede um quadro com a imagem do mesmo sacerdote. Então perguntou quem era, e responderam-lhe que se tratava de São Vicente de Paulo, fundador da Congregação. Catarina entendeu que sua vocação era ser uma das filhas do Santo da caridade.

Porém seu pai não aceitou a ideia, pois dizia que já bastava ter dado uma filha a Deus; ele tinha muito apegado a Catarina. Então, mandou-a a Paris, para ajudar seu irmão que tinha lá uma pensão, para ver se conseguia mudar a sua decisão. Foi uma provação para ela ver-se em meio aos fregueses da pensão, pessoas rudes, que fez com que ela redobrasse as orações para manter a pureza de seu coração e o espírito fervoroso.

Catarina foi convidada por uma cunhada a ir para sua casa, em Chatillon, onde mantinha uma escola para moças. Ali, pela proximidade passou a ir com frequência ao mosteiro das Irmãs da Caridade. Ela aos 24 anos entrou nessa casa religiosa em 22 de janeiro de 1830, com a permissão de seu pai.

 

As revelações

Depois de passar pelo postulantado em Chatillon, foi o noviciado na Casa-mãe das vicentinas, na Rue du Bac, em Paris. Dias em que a comunidade rezava uma solene novena preparatória para a trasladação das relíquias de São Vicente de Paulo.

Ela teve várias visões do Santo, e sobretudo do seu coração, que ficara incorrupto. Constantemente era agraciada com outras visões especiais. Que ela mesma, narrou. Uma delas “era a de ver Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Eu O vi durante todo o tempo do meu noviciado, exceto todas as vezes que eu duvidava; nesses dias eu nada via, porque procurava aprofundar-me em indagações sobre este mistério, e temia enganar-me”.(1) No domingo da Santíssima Trindade, “Nosso Senhor me apareceu no Santíssimo Sacramento durante a Missa cantada, como um rei, tendo uma cruz ao peito. No momento do Evangelho, pareceu-me que a cruz caía aos pés de Nosso Senhor e que Ele estava sem as insígnias reais; todas tinham caído por terra. Tive então os mais negros e tristes pensamentos: pensei que o Rei da Terra estava perdido e ia ser despojado da realeza; e depois disso pensei, sem saber explicar, na extensão dos grandes males que viriam”.(2) Com efeito, poucas semanas depois, Carlos X foi destituído do trono e banido do reino.

Essas graças eram uma preparação para as grandes aparições da Mãe de Deus.

Imagem de Nossa Senhora das Graças e a Medalha Milagrosa

Primeira visão da Santíssima Virgem

Uma noite de verão

Na véspera da festa de São Vicente, ainda em 1830, a Mestra de Noviças tinha feito uma preleção sobre a devoção aos santos, e especialmente a Nossa Senhora. Isso inflamou na Irmã Catarina o desejo de ver a Mãe de Deus. Ao deitar-se, pegou um pedacinho de uma sobrepeliz de São Vicente, que a Mestra tinha dado como relíquia às noviças, e engoliu-o, julgando assim que São Vicente poderia alcançar-lhe essa graça.

Quando tudo no convento estava calmo, todos dormiam, às vinte e três horas e trinta minutos, ela ouviu uma voz de criança que a chamava. Abriu a cortina do leito e viu um menino de uns cinco anos de idade, que lhe disse: “Venha à capela. A Santíssima Virgem a espera”. Vestiu-se rapidamente, seguiu a criança até a capela, que estava iluminada como para a Missa de Natal.

O menino, seu Anjo da Guarda de Catarina, conduziu-a ao presbitério, para junto da cadeira do Padre Diretor. Ela se ajoelhou. Depois de um longo tempo, ouviu um ruído do frufru de um vestido de seda e viu a Santíssima Virgem sentar-se na cadeira. Nos diz Catarina: “Ela me disse como eu devia proceder para com meu diretor, como devia proceder nas horas de sofrimento e muitas outras coisas que não posso revelar”.(3)

Coisas que não podia contar em 1830, revelou-as depois: “Várias desgraças vão cair sobre a França; o trono será derrubado; o mundo inteiro será revolto por desgraças de toda sorte”. Falou também de “grandes abusos” e “grande relaxamento” nas comunidades de sacerdotes e freiras vicentinas, e que deveria alertar disso os superiores.

Em seguida, voltou a falar de outros terríveis acontecimentos que ocorreriam em futuro mais distante, prevendo com 40 anos de antecedência as agitações da Comuna de Paris (primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a invasão por parte do Reino da Prússia.) e o assassinato do Arcebispo; prometeu sua especial proteção, nessas horas trágicas, aos filhos e às filhas de São Vicente de Paulo.

Revelação da Medalha Milagrosa

27 de novembro de 1830, ela havia acabado de fazer a leitura da meditação, na capela, quando ouviu o característico frufru do vestido de seda. Olhou para o lado e viu Nossa Senhora vestida de branco, sobre uma meia-esfera. Tinha nas mãos uma bola que representava o globo terrestre, e olhava para o Céu.

“De repente — narra Catarina — percebi anéis nos seus dedos, engastados de pedras brilhantes, umas maiores e mais belas do que as outras, das quais saíam raios que eram, também, uns mais belos que os outros”. Nossa Senhora explicou-lhe que tais raios simbolizavam as graças que derramava sobre as pessoas que as pediam.

Continua Catarina: “Formou-se um quadro em torno da Santíssima Virgem, de forma oval, no alto do qual estavam escritas, com letras de ouro, estas palavras: Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!”

No mesmo instante, uma voz disse-lhe para mandar cunhar uma medalha conforme aquele modelo, com a promessa de que as pessoas que a trouxessem ao pescoço receberiam muitas graças, “principalmente as que a trouxessem com inteira confiança”.

Em seguida o quadro girou sobre si mesmo, e Catarina viu o reverso da medalha.

Catarina distribui medalhas entre os revolucionários da Comuna de Paris, em 1871

Difusão da Medalha e graças operadas

Então ela perguntou a Nossa Senhora a quem recorrer para confecção da medalha. Nossa Senhora respondeu-lhe que deveria procurar seu confessor, Pe. João Aria Aladel: “Ele é meu servidor”. No início, o Pe. Aladel não acreditou no que Catarina dizia; mas, após dois anos de insistência, ele procurou o Arcebispo, que ordenou em 20 de junho de 1832 que fossem cunhadas duas mil medalhas.

O modo como se difundiram as medalhas foi tão prodigioso, juntamente com grande número de graças operadas, que a medalha passou a ser conhecida como Medalha Milagrosa. Por exemplo, em março de 1832, quando iam ser confeccionadas as primeiras medalhas, uma terrível epidemia de cólera, proveniente da Europa oriental, atingiu Paris. Mais de 18 mil pessoas morreram em poucas semanas. Num único dia, chegou a haver 861 mortes.

No fim de junho, as primeiras medalhas ficaram prontas e começaram a ser distribuídas entre os flagelados. Na mesma hora a peste retrocedeu, e tiveram início, em série, os prodígios que em poucos anos tornariam a Medalha Milagrosa mundialmente célebre.

Catarina Labouré cumpria a sua missão. Os 46 anos que lhe restaram de vida, ela os passou como uma humilde irmã, da qual praticamente nada havia para falar. Só quando se aproximou sua morte, em 1876, sua superiora soube que fora ela a privilegiada Irmã que recebera aquela sublime missão.

Ela foi beatificada pelo Papa Pio XI em 1933 e canonizada no dia 27 de julho de 1947 pelo Papa Pio XII.

Cinquenta e seis anos após sua morte, o corpo de Catarina foi encontrado inteiramente incorrupto, e é como se encontra ainda hoje na capela das Irmãs da Caridade, na Rue du Bac, em Paris.(4)


 

Notas:

1. Pe. Jerônimo Pedreira de Castro, C.M., Santa Catarina Labouré e a Medalha Milagrosa, Editora Vozes, Petrópolis, 1947, p. 71.

2. Id., ib., p. 72.

3. Id., ib., p. 77.

4. Outras obras consultadas:

– Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, pp. 360 e ss.

– As visões de Santa Catarina Labouré,http://www.padreareovaldo.hpg.ig.com.br/visoes.htm (Santuário Nossa Senhora das Graças).

– Santa Catarina Labouré, http://www.santododia.com.br/biograf3/catarinalab.htm.

– The story of St. Catherine Labouré, www.amm.org/catherine.htm

 

 

Fonte - http://catolicismo.com.br/index.cfm

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Santa Maria Faustina Kowalska. A secretaria da Divina Misericordia

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Poderá este terceiro milênio, imerso no pragmatismo e no ateísmo prático, compreender um Amor sem limites, desinteressado, que não deseja nada mais que a salvação das almas, sem buscar nada em troca, além da reciprocidade?

O terceiro milênio parece ter começado sob o signo da insegurança, das incertezas, das ameaças de guerras, das grandes desilusões. O progresso prometido pelos grandes avanços da técnica, nos séculos precedentes, trouxe conforto e rapidez nas comunicações, entre outras vantagens. Mas não alcançou a tão anelada paz, nem acabou com os sofrimentos de uma humanidade que se sente como um navio à deriva, em busca do rumo que a leve a bom porto.

Santa Faustina_2.jpg
 "Secretária do Meu mais profundo mistério",
foi o título dado por Jesus à Santa Maria
Faustina Kowalska

Nessa situação de aflição e incerteza, uma voz se levanta como um farol: "Diz à humanidade sofredora que se aconchegue no Meu misericordioso Coração, e Eu a encherei de paz".1 E essa mesma voz ainda acrescenta: "Consomem-Me as chamas da misericórdia; desejo derramá-las sobre as almas humanas. Oh! que grande dor Me causam, quando não querem aceitá-las!".

São estas algumas das revelações que, para demonstrar seu incomensurável amor por uma humanidade que parece tê-Lo esquecido, fez Nosso Senhor a uma alma simples e despretensiosa chamada a ser arauto de sua Divina Misercórdia: Santa Maria Faustina Kowalska.

Religiosa da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia, nascida no início do século XX, viveu ela profundamente unida a Deus, praticando, no dia-a-dia, no silêncio e no sofrimento, as virtudes heroicas que a elevaram à honra dos altares. Como afirmou o Servo de Deus João Paulo II ao canonizá-la, foi ela "um dom de Deus ao nosso tempo".2

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Chamada por Deus desde a infância

Helena Kowalska veio ao mundo em 25 de agosto de 1905, na aldeia de Glogowiec, na Polônia, em uma pobre família de camponeses, sendo a terceira de dez filhos. Já nos primeiros anos de sua vida, num ambiente familiar intensamente marcado pelo catolicismo, Helena sentiu o desejo de se entregar plenamente a Deus.

Ela mesma narra que, aos sete anos de idade, recebeu um "definitivo chamado de Deus para a vida religiosa". Essa vocação a acompanhou em sua juventude, mesmo quando teve que trabalhar como empregada doméstica, para ajudar a sustentar a numerosa e humilde família. Mas foi só aos 18 anos que ela pediu insistentemente autorização aos pais para entrar num convento. Estes, apesar dos ardentes desejos da filha, recusaramlhe firmemente o pedido.

Helena procurou, então, abafar a voz da vocação, que a perseguia sem cessar, distraindo-se com o que ela chamava de "vaidades da vida". Entretanto, tinha o Senhor reservado para ela uma grande missão e, apesar de todos os obstáculos, a vontade de Jesus venceria.

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Santo Profeta Elias

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Presente na Transfiguração de Jesus Cristo, reatador da aliança de Deus com o povo hebreu, adversário e destruidor do culto pagão de Baal, primeiro devoto de Nossa Senhora, o profeta Elias foi arrebatado vivo num carro de fogo. Onde se encontra? Voltará? Quando? Eis questões candentes a respeito de um dos mais extraordinários personagens da História.

Volta anunciada por Nosso Senhor

"E ele, respondendo, disse-lhes: Elias certamente há de vir [antes de minha segunda vinda], e restabelecerá todas as coisas" (Mt 17, 11).

São palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo a Pedro, João e Tiago, logo após o episódio da Transfiguração. Se aos profetas no Antigo Testamento coube a honra e a glória de anunciar a vinda do Salvador, Santo Elias teve o privilégio de ser anunciado pelo próprio Messias.

Quando desciam o monte Tabor, o Mestre proibiu aos três Apóstolos contar os fatos ocorridos lá no cimo, até sua ressurreição. Pelo caminho, vinham os discípulos conversando entre si a respeito do sentido da grandiosa cena à qual haviam assistido. Como todo judeu piedoso, acreditavam na necessidade de Elias preceder o Messias. E agora ele aparecera na Transfiguração de Jesus! Seria o começo? Um deles não se conteve e perguntou ao Mestre: "Por que dizem os escribas que Elias ainda há de vir?"

Sto Elias.jpg
Santo Elias

Lugar onde o profeta Elias matou os 
sacerdotes de Baal 
 El Muhraqa, Israel

 

E Jesus retorquiu com as palavras reproduzidas no início do presente tópico, confirmando a profecia sobre o retorno de Elias para restabelecer a ordem. Quando? Antes de examinar tal questão, vejamos quem foi esse varão tão grandioso.

Gládio e fogo

Seu nome, que significa "o Senhor é meu Deus", aparece de forma abrupta na História do Reino de Israel, e já com um brilho prodigioso: "Suas palavras queimavam como uma rocha ardente. Elias, o profeta, levantou- se logo como um fogo" (Ecle 48, 1-10).

Sabe-se que ele nasceu em torno do ano 900 a.C. em Tesba de Galaad, junto à fronteira do país dos amonitas (atual Jordânia). "Quando Elias estava para nascer, seu pai Sabacha viu-o saudado por alvos anjos, envolvido por faixas de fogo e alimentado com chamas. Tendo ido a Jerusalém, relatou [no templo] a visão, e o oráculo lhe disse que não temesse, pois aquele que ia nascer habitaria na luz, suas palavras seriam sentença segura e julgaria Israel com gládio e fogo" (Doroteu, Sto. Epifânio e Metafrates, apud Cornelio a Lápide, Comentários ao Livro 1º dos Reis, cap. 17)

Sua vida foi repleta de aspectos extraordinários. Numerosos autores lhe atribuem a virgindade perpétua, embora essa virtude fosse rara em seu tempo. O famoso exegeta Cornélio a Lápide lhe confere, logo no início de seus comentários, a santidade, austeridade e inocência de vida. Mostra, depois, como o profeta se tornou fundador da vida monástica e eremítica, ao retirar-se para o Monte Carmelo, onde se dedicou à contemplação, reunindo Eliseu e vários discípulos.

Irrompendo no meio da apostasia

Naquele tempo, os israelitas haviam mesclado, ao culto do verdadeiro Deus, o culto pagão de Baal, deus da fertilidade, e quase já não conseguiam distinguir um do outro. Os 450 sacerdotes dessa religião sangüinária e imoral eram protegidos pela rainha, Jezabel, uma fenícia, sendo abrigados e alimentados no próprio palácio real. O rei Acab apoiava as ações de sua esposa, a ponto de edificar, dentro de sua residência, um templo para Baal.

Nesse ambiente irrompe como um raio o homem de Deus: "Elias, o tesbita, um habitante de Galaad, veio dizer a Acab: ‘Pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos orvalho nem chuva, senão quando eu o disser'." (1Reis 17, 1). Esse ardor nas palavras e essa impressionante certeza de que o Senhor o ouvia são característicos desse santo profeta. E ele entra pela primeira vez na História já confrontando-se com o rei e os adoradores de Baal.

São João Crisóstomo se entusiasma com essa tempestuosa atitude de Elias, e comenta: "Quando ele, profeta santíssimo, pôs os olhos no povo prevaricador, quando viu claramente Baal e os ídolos serem sacrilegamente adorados, com desprezo do Senhor, quando todo o povo, abandonando o Criador, se entregava ao culto das estátuas de barro dos bosques, movido pelo zelo de Deus, decretou contra a Judéia a sentença da seca e do fim das chuvas. Então, subitamente, a terra lançou vapores, o céu se fechou, os rios secaram, as fontes se extinguiram, o bronze ferveu, a temperatura torturou, a tranqüilidade ficou penosa, as noites se tornaram secas, os dias áridos, as searas se torraram, os arbustos feneceram, osprados desapareceram, os bosques enlanguesceram, os campos jejuaram, a terra tornou-se inculta, suas ervas morreram, e a ira de Deus se manifestou sobre todas as criaturas" (apud Cornelio a Lápide, idem).

A primeira fuga

Por ordem do Senhor, Elias retirou-se para a banda do Oriente, junto à torrente do Carit. Nesse local foi alimentado com pão e carne levados por corvos. Porém, a água secou, e ele teve de mudar de residência.

Deus lhe preparara hospedagem em casa de uma viúva, em Sarepta, na Fenícia. Seria ocasião de ele realizar mais milagres, em primeiro lugar ao multiplicar diariamente a farinhae o azeite da pobre mulher, ao longo de três anos, e ainda ao ressuscitar o filho único dela: "Depois de ter aprendido a misericórdia em seu retiro à margem da torrente do Carit, ensina à viúva de Sarepta a fé na palavra de Deus, fé que ele confirma por sua oração insistente: Deus devolve à vida o filho da viúva", diz o Catecismo da Igreja Católica (nº 2583), reiterando a confiança do santo profeta no atendimento de suas súplicas.

Extermínio do culto de Baal

Mas a fome tornava-se extrema em Israel. Acab, aflito por não encontrar Elias, saiu pelos áridos campos à procura de fontes e ervas. Enquanto o rei percorria em vão o país, vieram avisá-lo da aproximação de Elias. Acab foi ao seu encontro, e tão logo viu o homem de Deus, disse-lhe:

"Eis-te aqui, o perturbador de Israel". - "Não sou eu o perturbador de Israel," respondeu Elias, "mas tu, sim, e a casa de teu pai, porque abandonastes os preceitos do Senhor, e tu seguiste aos Baals. Convoca, pois, à montanha do Carmelo, junto de mim, todo o Israel com os 450 profetas de Baal e os 400 profetas de Asserá, que comem à mesa de Jezabel" (1Reis 18, 17-19).

Quando os convocados se reuniram no monte Carmelo, Elias, aproximando-se do povo, dirigiu-se a todos, dizendo: "Até quando claudicareis dos dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-O, mas se é Baal, segui a Baal!" (1Reis, 18, 21). A bela imagem expressa o comportamento dos israelitas, de dobrar um joelho diante de Deus, e outro diante de Baal.

Deus sabe escolher o cenário para conferir valor e premiar o zelo dos varões de sua destra, pois o monte Carmelo era o lugar ideal para o grandioso episódio tão maravilhosamente narrado pela Escritura. Ergue- se alto, bem junto ao mar, na fronteira entre a Samaria e a Galiléia, a 32 quilômetros de Nazaré. Hoje em dia, pelas suas encostas, avança a cidade de Haifa.

E Elias tornou a dizer ao povo: "Eu sou o único dos profetas do Senhor que fiquei; mas os profetas de Baal chegam a 450 homens. Dê-se-nos, portanto, um par de novilhos; eles escolherão um, fá-lo-ão em pedaços, e o colocarão sobre a lenha, mas sem meter fogo por baixo; eu tomarei o outro novilho e o porei sobre a lenha, sem meter fogo por baixo. Depois disso, invocareis o nome de vosso deus, e eu invocarei o nome do Senhor. Aquele que responder pelo fogo, esse será reconhecido como o (verdadeiro) Deus". Todo o povo respondeu: "É uma boa proposta" (1Reis 18, 22-24).

O homem de Deus, varão da confiança total no Senhor, estava preparando os elementos para desmascarar, de modo espetacular, diante de todo o povo, a fraudulenta religião pagã. Com sua maneira de ser categórica e ao mesmo tempo diplomática, convidou os "profetas" do falso deus a começarem invocando Baal, "porque sois em maior número". Eles despedaçaram o novilho, colocaram-no sobre o altar, e deram início às suas cerimônias impetratórias:

"Puseram-se a invocar o nome de Baal, desde a manhã até o meio-dia, gritando: ‘Baal, responde-nos!' Mas não houve voz, nem resposta. E dançavam ao redor do altar que tinham levantado. Sendo já meio-dia, Elias escarnecia- os, dizendo: ‘Gritai com mais força, pois (seguramente) ele é deus; mas estará entretido com alguma conversa ou ocupado, ou em Santo Elias - Igreja de Arucas - Gran Canaria - Espanha..jpgviagem, ou estará dormindo... e isso o acordará'. Eles gritavam, com efeito, em alta voz, e retalhavam- se segundo o seu costume, com canivetes e lancetas, até se cobrirem de sangue" (1Reis 18, 26-28).

Deus atende aos rogos de Elias

Esgotou-se o prazo para os 450 "profetas" de Baal; era hora de Elias clamar com confiança a ação do Deus de Israel: "Elias disse ao povo: ‘Aproximai-vos de mim', e todos se aproximaram". Reinava, decerto, um silêncio pleno de expectativa, com todos os olhos cravados na figura daquele homem de fogo: "Elias reparou o altar demolido do Senhor. Tomou doze pedras, segundo o número das tribos dos filhos de Jacó, a quem o Senhor dissera: Tu te chamarás Israel. E erigiu com essas pedras um altar ao Senhor. Fez em volta do altar uma valeta, com a capacidade de duas medidas de semente. Dispôs a lenha, e colocou sobre ela o boi feito em pedaços. E disse: ‘Enchei quatro talhas de água e derramai- a em cima do holocausto e da lenha'. Depois disse: ‘Fazei isto pela segunda vez'. Tendo-o eles feito, disse: ‘Ainda uma terceira vez'. Eles obedeceram. A água correu em volta do altar e a valeta ficou cheia. Chegou a hora da oblação. O profeta Elias adiantou-se e disse: ‘Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel, que eu sou vosso servo, e que por vossa ordem fiz todas estas coisas. Ouvi-me, Senhor, ouvi-me, para que este povo reconheça que Vós, Senhor, sois Deus, e que Vós sois que converteis os corações'".

E Deus atende com abundância a oração confiante do servo fiel: "Então, subitamente, o fogo do Senhor baixou do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a poeira e até mesmo a água da valeta. Vendo isso, o povo prostrou-se com o rosto por terra, e exclamou: ‘O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!' Elias disse-lhes: ‘Tomai agora os profetas de Baal; não deixeis escapar um só deles!' Tendo- os o povo agarrado, Elias levou-os ao vale de Cison e ali os matou" (1Reis 18, 30-40).

A nuvenzinha e a Mãe de Deus

Entre Elias, sua missão e os lugares onde viveu existe uma bela harmonia, muito bem ressaltada pelo autor do Livro dos Reis. E um dos méritos do escritor inspirado é o de fazer sentir esse acordo profundo. Carit evoca o espírito eremítico de Elias; o Horeb, sua intimidade com Deus; Sarepta, seu espírito de obediência ao Senhor e sua prudência.

O Carmelo, a montanha da renovação da Aliança de Deus com seu povo, recorda seu zelo pela glória do Altíssimo e sua fé inquebrantável. Carmelo é um nome derivado do hebraico Karem, que significa jardim ou pomar e vinha do Senhor. Era o local apropriado para Elias rogar fervorosamente a Deus pela chuva. Logo após o confronto com os 450 "profetas" de Baal, Elias subiu ao cimo desse monte e orou a Deus. Por sete vezes mandou seu servo olhar para as bandas do mar, para verificar se havia sinal de chuva. "Na sétima vez o servo respondeu: ‘Eis que sobe do mar uma pequena nuvem, do tamanho da palma da mão' (...) Num instante, o céu se cobriu de nuvens negras, soprou o vento e a chuva caiu torrencialmente" (1Reis 18, 42-45).

Deus ouvira novamente o santo profeta: "A oração fervorosa do justo tem grande poder" (Catecismo da Igreja Católica, nº 2582).

Segundo uma longa tradição na Igreja, aquela "nuvenzinha", prenunciadora da chuva, prefigurava a Santíssima Virgem. No Novo Testamento, Ela faria "chover sobre a humanidade" o Redentor, e, depois, as graças obtidas por sua intercessão. O profeta Elias é considerado seu primeiro devoto.

Encontro com Deus e renovação da Aliança

Apesar do comprovado milagre, Jezabel ficou devorada de ódio contra Elias, e mandou-lhe um mensageiro, avisando sua determinação de matá-lo no dia seguinte, tal qual ele fizera com os "profetas" de Baal.

Tomado de temor, o profeta caminhou sem parar em direção ao sul. No limiar do deserto, dispensou seu criado, e se embrenhou sozinho por aquelas paragens inóspitas, andando durante um dia inteiro até cair meio desfalecido. Mas Deus enviou um Anjo para o revigorar, oferecendo-lhe pão e água, e assim alimentado, Elias caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte Horeb, "a montanha de Deus" (1Reis, 19, 1-8).

Nesse simbólico lugar, onde séculos antes Moisés falara com Deus, Elias teve um encontro análogo com o Senhor. Somente ele e Moisés apareceram na transfiguração de Jesus; também os dois foram os únicos a presenciar a glória do Senhor no Horeb. Deus passou diante dele, e duas vezes lhe dirigiu a palavra, perguntando: "Que fazes aqui, Elias?" E o profeta respondeu: "Eu me consumo de zelo pelo Senhor Deus dos exércitos. Porque os israelitas abandonaram a vossa aliança, derrubaram vossos altares e passaram os vossos profetas ao fio da espada. Só eu fiquei, e querem tirar-me a vida" (1 Reis 19, 9-10).

Glorioso por seus prodígios

Deus o encarregou de várias missões, consistindo as principais em sagrar um novo rei de Israel e em ungir Eliseu, como profeta continuador de sua missão.

Esses encargos deram ocasião a outros episódios portentosos narrados no livro dos Reis. O Espírito Santo canta o brilho de seus feitos com essas palavras: "Quão glorioso te tornaste, Elias, por teus prodígios!.Bem-aventurados os que te conheceram, e foram honrados com a tua amizade!" (Eclo 48, 4 e 11).

O ponto auge de sua história se verifica ao despedir- se de Eliseu, conforme no-lo relata o Segundo Livro dos Reis: "Continuando o seu caminho, entretidos a conversar (Elias e Eliseu), eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão" (2Reis 2, 11).

Ora, o céu propriamente dito ainda não havia sido aberto pelo Redentor. Assim, perguntamo-nos novamente: Onde está Elias e quando voltará?

Sua missão ainda não terminou

Arrebatado em corpo e alma num carro de fogo, Elias ainda não morreu, segundo uma consagrada tradição na Igreja Católica. Onde se encontra agora? Não se sabe. A Sagrada Escritura, na versão dos Setenta, diz ter sido ele arrebatado "quasi in coelum" ("quase aocéu"). E esta é, comumente, a opinião dos Santos Padres e Doutores. Para alguns deles, Elias foi levado ao Paraíso Terrestre, o lugar de onde haviam sido expulsos Adão e Eva, apósSanto_Elias.jpg cometerem o Pecado Original. Para outros, foi conduzido para uma região ignorada da terra. Entre os da primeira opinião estão Santo Irineu, Tertuliano, Santo Isidoro e São Tomás de Aquino, e entre defensores da segunda, São Gregório Magno. Teodoreto manifesta indecisão, por achar insuficientes os dados da Escritura, como pensam também São João Crisóstomo e Santo Agostinho.

Voltará Elias, e quando? A tradição judaica, no Antigo Testamento, bem como a cristã, acreditam em seu retorno. E esta crença é corroborada por várias passagens da Bíblia.

O já citado livro do Eclesiástico é taxativo a esse respeito. Referindo-se ao profeta, exclama: "Tu, que foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro puxado por cavalos ardentes. Tu, que foste escolhido pelos decretos dos tempos para amenizar a cólera do Senhor, para reconciliar o coração dos pais com os filhos, e para restabelecer as tribos de Jacó" (Eclo 48, 9-10).

E através do profeta Malaquias, Deus repete essa predição: "Vou mandar-vos o profeta Elias, antes que venha o grande e temível dia do Senhor, e ele converterá o coração dos pais para os filhos, e o coração dos filhos para os pais, de sorte que não mais ferirei de interdito a terra" (Ml 3, 23-24).

De tal modo a idéia da volta de Elias estava fixa na mente dos judeus, que tomaram Jesus por ele (Mt 16, 14; Lc 9, 8), e pensaram o mesmo de São João Batista (Jo 1, 21). Este último negou que o fosse, embora tivesse vindo "no espírito e no poder de Elias, reconduzir os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, para preparar ao Senhor um povo bem disposto" (Lc 1, 17).

Acima de tudo, são decisivas as já citadas palavras de nosso divino Salvador: "E ele, respondendo, disse-lhes: Elias certamente há de vir (antes de minha segunda vinda), e restabelecerá todas as coisas" (Mt 17, 11).

Assim, antes da primeira vinda do Messias ao mundo, São João Batista foi enviado como precursor. Antes da segunda vinda, próxima do grande e terrível julgamento final, Elias deverá retornar. Ele, o príncipe dos profetas e prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda não terminou sua missão: há quase três milênios aguarda a chegada do fim dos tempos. (Revista Arautos do Evangelho, Jul/2002, n. 7, p. 7 à 10)

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São Bernardo de Claraval - Monge, Místico e Profeta

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Varão de fogo, conselheiro de Papas e monarcas, denominado pelo Papa Inocêncio II de "muralha inexpugnável que sustenta a Igreja", São Bernardo foi também admirável arauto da Virgem Maria e um dos  primeiros apóstolos da mediação universal da Mãe de Deus

O ambiente era de expectativa e seriedade. A multidão comprimia-se, silenciosa, em torno de um homem ainda jovem, de fisionomia austera, que pregava à beira de um rio. Sua voz, grave e compassada, transmitia uma profunda paz de alma.

"Arrependei-vos, porque está próximo o reino de Deus. (...) Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas" (Mt3, 2-3), afirmava com severidade. Depois continuava suavemente, quase enternecido: "Vem depois de mim quem é mais forte do que eu, ao qual não sou digno de desatar, prostrado em terra, a correia das sandálias" (Mc1, 7).

João Batista, o último e maior dos profetas do Antigo Testamento, anunciava à nação eleita o próximo aparecimento do Salvador do gênero humano. E mais tarde, quando revelou a divindade do Messias ao proclamar: "Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado do mundo" (Jo1, 29), a longa e grandiosa fileira dos profetas, que haviam predito o advento do Redentor e guiado o povo através dos séculos de espera, estava finalmente encerrada. Todas as profecias tinham-se cumprido.

A Revelação está completa, mas Deus deseja servir-se das causas segundas para comunicar seus divinos desígnios à humanidade. Assim,sempre suscitará Ele, alguns varões e mulheres que indiquem o Caminho, ensinem a Verdade e transSan Bernardo Catedral de Bayona FranciaIMG_2831.jpgmitam a Vida à maioria dos homens. Esta realidade no-la explica São Tomás, na SumaTeológica: "Em todas as épocas houve alguns que possuíam o espírito profético, não para dar a conhecer doutrinas novas, mas para dirigir a vida humana".

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O profeta do século XII

No século XII a Civilização Cristã havia atingido um auge que nenhum santo poderia ter imaginado nos albores duros e sangrentos da primeira época da Igreja: "A filosofia do Evangelho governava os Estados; a influência da sabedoria cristã e sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil" — afirmou Leão XIII na Immortale Dei.

O sustentáculo dessa sociedade sacral havia sido, durante mais de um século, a santidade emanada da abadia beneditina de Cluny. Tendo-se espalhado rapidamente por todo o Ocidente cristão, esses filhos de São Bento influenciavam e orientavam a espiritualidade e a cultura dos povos da Europa a partir do interior de seus imensos mosteiros, do alto dos púlpitos, desenvolvendo uma belíssima e aristocrática liturgia e encantando as multidões com o angélico canto gregoriano.

Entretanto, após alcançar o píncaro, a grandeza de Cluny desvanecia-se lentamente, quiçá por não ter havido almas generosas que, no ápice do esplendor, quisessem partir para novos extremos de santidade.

Surgiu então, não uma instituição, mas um homem que foi o reformador da disciplina eclesiástica, o modelo de todas as virtudes, a voz de Deus a indicar novos rumos àquela sociedade que começava a vacilar: Bernardo de Claraval.

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Um misterioso desígnio

No ano de 1091 nascia num castelo da Borgonha o terceiro filho do senhor de Fontaines e da virtuosa dama Alet. Pouco antes de dar à luz o menino, teve ela um sonho tão nítido e expressivo que sua maternal intuição não deixou de ver nele um providencial aviso sobre o futuro do filho: tinha-lhe aparecido um cachorrinho de alvíssima pele que latia fortemente e sem cessar. Aflita, porém, por não alcançar uma clara interpretação que traduzisse seus pressentimentos, consultou um servo de Deus, o qual lhe respondeu: "O menino será um grande pregador e latirá continuamente para guardar a Casa de Deus, e curará as chagas de muitas almas".

Descendente de duas nobres famílias e pairando sobre ele esse misterioso vaticínio, criou-o sua mãe com especial esmero, e logo que foi possível o enviou a uma famosa escola na cidade de Châtillon-sur-Seine. Seu grande talento intelectual causava admiração aos mestres e prometia-lhe uma brilhante carreira. A índole afável e um tanto tímida de Bernardo possuía uma nota de nobreza e amenidade que atraía muitos a ele.

Em pouco tempo, sentiu arder na alma o desejo da glória da ciência e de uma existência mundana vivida na opulência. O demônio, o mundo e a carne tentaram incontáveis vezes arrastá-lo para a perdição, mas, apesar desses assaltos, conservou sempre íntegra sua inocência batismal.

Certa vez, sentindo especial atração por uma formosa e pouco virtuosa jovem, e querendo a qualquer preço evitar a menor falta, lançou-se num pequeno lago de água gelada (era inverno) e lá permaneceu, submergido até o pescoço, e dali o retiraram quase sem sentidos.

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O chamado do Senhor

Contava Bernardo 21 anos de idade, e a graça divina havia muito batia às portas de seu coração ardente: "Para que vieste ao mundo?" Esta pergunta vinha lhe à mente com freqüência cada vez maior.

A radicalidade da vida monástica atraía aquela alma feita para grandes atos de heroísmo: abandonar honras, riqueza e família, consagrar-se para sempre ao serviço do Rei Eterno, viver daquele amor sobrenatural cujas labaredas cresciam sem cessar em seu interior... Entretanto, não faltavam parentes e amigos que o exortavam a seguir uma estrada mais larga: grandes glórias mundanas prometiam as incomuns qualidades do jovem Bernardo; sua precária saúde e débil compleição não suportariam as austeridades da vida religiosa; pode-se também servir a Deus sem enterrar num claustro os talentos de tão gentil caráter...

Afligido por esses pensamentos e combates, entrou certo dia numa igreja e implorou uma luz celeste que lhe desse a conhecer, sem sombra de dúvida, o desígnio de Deus a seu respeito. E o Senhor não tardou em socorrer seu escolhido que a Ele clamava.

Levantou-se Bernardo fortalecido e cheio de sobrenatural certeza, e dirigiu-se para um mosteiro quase desconhecido, fundado não havia muito tempo pelo santo abade Sao Bernardo-Prado.jpgRoberto de Molesmes e situado num bosque não distante do castelo de sua família: Cister.

Entretanto, não quis partir só para aquele austero claustro onde nascia, em meio a dificuldades sem conta, uma nova ordem religiosa: com inspirada eloqüência, arrastou consigo seu tio materno, quatro irmãos e mais trinta cavaleiros companheiros seus! O último irmão de Bernardo, por ser ainda muito novo, escutou as seguintes palavras:"Fica com Deus.

Nós partimos para o mosteiro e te deixamos todos os nossos haveres". Desolado, o menino respondeu: "Vós conquistais o Céu e me deixais a terra? Má partilha esta!" E poucos dias depois, bateu àquelas benditas portas que já tinham acolhido seus cinco irmãos mais velhos...

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O vale da luz

Se exíguo tinha sido durante muitos anos o número de monges de Cister, logo ficaram estreitas, graças a Bernardo, suas rudes paredes de pedra.

Por ordem de seu superior, agora Santo Estevão Harding, partiu ele, acompanhado de doze companheiros, a fundar uma nova abadia. Tinha apenas 25 anos.

A paragem escolhida foi um isolado e sombrio vale, temido por causa dos ladrões que ali se refugiavam. Mas em pouco tempo a floresta cedeu lugar aos campos cultivados, os muros começaram a elevar-se, vozes puras e varonis fizeram ecoar a laus perenni naquelas vastidões, e a luz divina refletida por São Bernardo dissipou as obscuridades do lugar, que passou a chamar-se Clara Vallis — Claraval.

Atraídos pela fama de santidade que logo aureolou esse mosteiro, acorreram numerosos jovens, nobres e plebeus, cultos e ignorantes, desejosos de seguir a Cristo na pobreza, obediência e castidade, sob a direção do jovem abade. Passou assim de 700 o número de monges que enchiam a abadia do vale da luz.

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Voz e braço de Deus

Mas a luz não foi feita para ser escondida e sim para iluminar e brilhar aos olhos de todos (cfr. Mt 5, 15-16). Em vão procurava Bernardo a solidão e o silêncio de seu amado vale. Contra sua vontade, tornou-se o conselheiro de Papas, bispos e monarcas, o diretor espiritual da Europa medieval, o Moisés da Cristandade.

Não havia pregador mais ardente nem personagem com maior prestígio do que ele. Venerado como santo pelas multidões e reconhecido como profeta e taumaturgo, sua mera presença, suas palavras e escritos despertavam um entusiasmo novo e combatiam vitoriosamente as heresias e os adversários da Igreja. Tendo-se levantado naquele tempo um perigoso cisma na Igreja de Deus, quase todos os fiéis vacilavam, desorientados, entre o legítimo Pontífice e um antipapa chamado Anacleto.

Teólogos e doutores discutiam com denodo argumentos em favor de um ou de outro, sem chegar a resultados convincentes ou definitivos. Os olhos de muitos voltaram-se então para o santo abade de Claraval, à procura de uma palavra que resolvesse a espinhosa questão. Acudiu Bernardo ao Concílio de todos os bispos do reino da França, e com sua inspirada e ardente eloqüência decidiu o voto da assembléia em favor do legítimo Papa, Inocêncio II.

Entretanto,o incêndio da divisão não se extinguiu imediatamente. Na província da Gasconha, o orgulho de um bispo sustentado pela ambição de um conde da região, ainda se levantava contra o verdadeiro pastor da Santa Igreja. O Papa enviou São Bernardo para pôr fim a esta triste situação, na expectativa de que a sabedoria do santo triunfaria onde os raciocínios dos teólogos haviam fracassado. Mas em vão tentou ele reduzir à justa obediência o agitado espírito do bispo revoltado. Procurou, então, convencer o despótico conde, demonstrando-lhe a loucura de sua posição. Ambos, porém, ébrios de orgulho, obstinavam-se no erro.

Contristado ante tanta maldade, mas decidido a fazer prevalecer a autoridade do Sumo Pontífice, convocou Bernardo todo o povo à catedral da cidade e celebrou solenemente o Santo Sacrifício do altar. Após a Consagração, levando em suas mãos o Santíssimo Sacramento sobre uma patena, dirigiu-se à praça onde se encontrava o conde que, por estar excomungado, não podia entrar no templo. Olhando-o severamente, disse-lhe com voz ameaçadora: "Nós te rogamos e tu nos desprezaste; muitos servos de Deus suplicaram e tu de ninguém fizeste caso.

Eis que o Filho da Virgem, Cabeça e Senhor da Igreja que tu persegues vem à tua presença! É o Juiz em cujas mãos um dia tua alma cairá.Vejamos se também a Ele viras as costas como a nós as tornaste!"Como outrora os vendilhões do Templo de Jerusalém haviam fugido diante do Mestre irado, o infeliz conde, ao escutar essas palavras, rolou por terra, aterrorizado. Levantou-se depois, tocado finalmente pela graça de Deus, prostrou-se cheio de arrependimento aos pés do santo abade e fez tudo quanto este lhe ordenou.

Travou mais tarde tão estreita amizade com Bernardo que, seguindo seu ssantos conselhos, abandonou o mundo e acabou seus dias num convento. O Bispo recalcitrante, porém, obstinado em sua malícia, foi um dia achado morto em sua cama, sem confissão nem viático.

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Arauto de Nossa Senhora

Mas este varão de fogo, denominado pelo Papa Inocêncio II de "muralha inexpugnável que sustenta a Igreja", passou para a História com o título de "Doutor Melífluo", porque a unção de suas exortações levava todos a afirmar que seus lábios destilavam puríssimo mel.

Quem, no mundo cristão, não conhece a incomparável e doce prece "Lembrai- vos", a ele atribuída? Foi um dos primeiros a chamar de "Nossa Senhora" a Mãe de Deus. Conta a tradição que, escutando certa feita seus irmãos cantarem a Salve Regina, irrompeu de seu coração pervadido de enlevo a tríplice exclamação que hoje coroa esta oração: "Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria!" Foi também um dos primeiros apóstolos da mediação universal de Maria Santíssima, deixando esta doutrina claramente consignada em numerosos sermões: "Porque éramos indignos de receber qualquer coisa, foi-nos dada Maria para, por meio d'Ela, obtermos tudo quanto necessitamos. Quis Deus que nós nada recebamos sem haver passado antes pelas mãos de Maria.

(...) Como mais íntimo de nossa alma, com todos os afetos de nosso coração e todos os sentimSao Bernardo e seus pais.jpgentos e desejos de nossa vontade, veneremos a Maria, porque esta é a vontade d'Aquele Senhor que quis que tudo recebamos por Maria."

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"Vinde,bendito de meu Pai"

Retornando de uma missão apostólica, quando já estava com 63 anos de idade, curou uma mulher cega, na presença de uma enorme multidão que acorria para venerá-lo. Foi o último milagre realizado na sua existência terrena.

Ao chegar a seu amado mosteiro de Claraval, sentia-se desfalecer.

Mas transbordava de sua alma a serena confiança do navegante que finalmente avista o porto anelado. Ele mesmo, numa carta, dá conta de sua derradeira moléstia, pouco antes de partir para a eternidade: "O sono foge de mim, para que a dor não se mitigue estando os sentidos adormecidos.

Quase tudo o que padeço são dores no estômago. Para nada ocultar a um amigo que deseja conhecer o estado de seu amigo, e falando não como sábio, segundo o homem interior, digo-vos que o espírito está pronto, na carne fraca. Rogai ao Salvador, o qual não quer a morte do pecador, que não atrase mais o meu fim, mas o guarde e ampare".

Bispos, abades e monges circundavam o leito onde agonizava aquele profeta do Senhor. Choravam eles o superior que aconselhava, o doutor que ensinava, o pai que os amava, o varão de Deus que os santificava. Mas este até o último alento os animou e consolou, e com grande despretensão dizia que já era tempo de um servo inútil passar a outro aquele cargo, e uma árvore estéril ser arrancada... No dia 20 de agosto de 1153, às nove horas da manhã, entregou sua puríssima alma a seu Criador e Redentor.     (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2006, n. 56, p. 22 à 25)

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São Felipe Neri

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Por onde andava, esse ardoroso apóstolo difundia a alegria da santidade, perto da qual a satisfação efêmera do pecado não passa de grotesca caricatura.

Na Cidade Eterna, avançava para seu final a noite calma e silenciosa. Após mais uma jornada na qual conduzira com valor a Barca de Pedro, o Sumo Pontífice descansava por algumas horas, para retomar seu posto aos primeiros clarões da aurora.

Nem todos, porém, repousavam naquela madrugada de 1544. A célebre Via Ápia, outrora palmilhada nessas horas pelos vigias de César e por cristãos que procuravam refúgio nas catacumbas, presenciava agora os passos de um humilde fiel chamado Filipe Néri, entãoSAO FELIPE NERI.JPGcom 29 anos de idade. Percorreu pouco mais de três quilômetros até a ponta da escadaria da Catacumba de São Sebastião, seu local predileto de oração e recolhimento.

O "pentecostes" de São Filipe

A Santa Igreja atravessava as conturbações religiosas do século XVI. Preparavam-se em Trento as seções do grande Concílio e o mundo cristão vivia uma encruzilhada histórica, de desfecho pouco previsível. Posto nessa situação, Filipe erguia do fundo daquelas úmidas e escuras galerias uma prece que se confundia com o clamor dos mártires: "Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovareis a face da Terra".

Enquanto rezava, sentiu seu coração encher-se "de grande e inusitada alegria, uma alegria feita de amor divino, mais forte e veemente que qualquer outra sentida antes".1 Uma bola de fogo - símbolo do Espírito Santo - refulgiu diante dele, entrou por sua boca e pousou em seu coração. Num instante, viu-se tomado de excepcional amor e entusiasmo pelas coisas divinas, bem como de uma capacidade incomum de comunicá-los. Sua constituição física, não podendo conter o ímpeto da ação sobrenatural, modelou-se milagrosamente a ela: o coração aumentou de tamanho e buscou lugar entre a quarta e a quinta costelas, as quais se arquearam docilmente para darlhe um maior espaço.

Esse episódio miraculoso, ocorrido na vigília de Pentecostes, passaria para a História como "o pentecostes de São Filipe Néri". E os frutos de tamanho prodígio não se fizeram esperar: "É assim que esse homem, admirável pela doçura, a persuasão e o fogo da caridade, começou essa santa renovação social pela qual regenerará os povos da Itália; sublime obra de humildade, paciência e devotamento, que ele realizou antes de morrer, e sua congregação continuou depois tão gloriosamente".2

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Peculiar vocação

Filipe Romolo Néri nasceu num bairro popular de Florença, a 22 de julho de 1515. Aos 18 anos, seu pai, Francesco Néri, o enviou à casa de um tio, em San Germano, a fim de aprender o ofício de comerciante. Da bela cidade onde nascera, que deixava para sempre, haveria de conservar como um tesouro a formação religiosa recebida dos dominicanos do Convento de São Marcos: "Tudo quanto tenho de bom, recebi dos padres de São Marcos",3 repetirá ao longo da vida.

Sua vocação, porém, não era mercantil. Desapontado com as perspectivas de um lucro que hoje se conquista e amanhã se perde, ele se interessava muito mais por acumular tesouros no Céu, "onde não os consomem a traça nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam" (Mt 6, 20). Partiu para Roma no ano seguinte, abandonando o tio e os negócios.

O problema de uma vocação "oficial" não se pôs para este jovem, já decidido a entregar-se a Deus. Não quis ser padre, nesse então, nem ir para um convento, nem integrar qualquer instituição eclesial da época. Entretanto, dificilmente encontraremos entre o clero, nos claustros ou confrarias daquele século, pessoa mais devota do que ele. Desde sua juventude, Filipe teve a característica de escapar dos esquemas habituais, para mostrar que a única regra perfeita em si mesma é a caridade, e nenhuma disciplina tem valor quando se afasta da obediência a Jesus Cristo.

Com efeito, levava no mundo uma vida espiritual admirável! Tendo recebido asilo na casa de um nobre florentino, estabelecido na Cidade Eterna, ali passou vários anos em isolamento, oração e severa penitência. Frequentava com avidez a Roma Antiga, deixando-se ficar longas horas em oração nos sagrados lugares. Alguns anos mais tarde, sentiuse atraído a estudar Filosofia e Teologia, e os mestres da Sapienza e do Studium agostiniano se assombraram perante o voo intelectual desse homem que vivia como um mendigo.

Tais anos de estudo foram altamente fecundos, a ponto de lhe valerem para o resto da vida e daremlhe a justificada fama de possuir uma sabedoria em nada inferior à dos maiores teólogos que essa época conheceu. São Tomás de Aquino será para sempre seu mestre; a Suma Teológica, seu livro de cabeceira.

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Difundia a alegria da santidade

Em pouco tempo, por toda a Urbe, comentava-se a santidade desse peregrino de vida edificante. Solidificado na virtude, pelo longo período de recolhimento, ele sentiu ter chegado a hora de iniciar sua obra evangelizadora. Para isso, escolheu as regiões mais pobres e "em todos os bairros, mesmo nos de pior fama, pregava ao ar livre a ouvintes benévolos e obtinha conversões extraordinárias4 Sua fórmula para interpelar um pecador consistia em pousar a mão em seu ombro, no lugar onde o encontrasse, e dizer: "Vamos ver, irmão, é hoje que nos decidimos a comportar-nos bem?".5

Dotado de grande atrativo pessoal, Filipe Néri difundia ao seu redor a alegria da santidade, perto da qual a satisfação efêmera do pecado não passa de grotesca cariSao Felipe_Neri.jpgcatura. Todos queriam estar perto dele e receber o transbordamento de seu amor a Deus. Os jovens se comprimiam ao seu redor, para ouvi-lo falar das coisas do Céu e brincarem juntos, em ruidosa algazarra. A um adulto ranzinza que reclamava do barulho, respondeu com um só argumento: "Eles não cometem nenhum pecado!".6 Com efeito, no inovador método de evangelização desse apóstolo leigo, tudo era permitido, menos o pecado e a tristeza.

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Assim era a amizade desses santos...

Lançando-se num incansável apostolado junto aos leitos dos doentes, Filipe livrou do desespero e conduziu à morte santa muitos moribundos. No ano de 1548 fundou, juntamente com seu confessor, Persiano Rosa, a Confraria da Santíssima Trindade, destinada a atender os enfermos e peregrinos.

Santo Inácio de Loyola percebia o valor de Filipe e fez-lhe reiterados convites para ingressar na Companhia de Jesus, mas este preferiu continuar na condição de pietoso lazzarone (piedoso mendigo).

Admirado pela legião de pessoas que, movidas por suas palavras, abraçavam a vida consagrada, Santo Inácio o cognominou de "o Sino", dando a seguinte explicação: "Assim como um sino de paróquia, que chama todo mundo para a igreja e permanece no seu lugar, este homem apostólico faz os outros entrarem na vida religiosa e permanece de fora".7 Em contrapartida, Filipe - que se sentia chamado para suscitar religiosos, mas não para ser um deles - manifestava grande entusiasmo pelo convertido de Manresa; chegou a afirmar que nunca contemplava sua fisionomia sem vê-lo resplandecente como um Anjo de luz.
Assim era a amizade de tais santos!

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"Roma será a tua Índia"

Mas se o fundador dos jesuítas não conseguiu atraí-lo para a Companhia, seu filho espiritual, Francisco Xavier, despertou no pietoso lazzarone imenso desejo de partir para a Índia, a fim de conquistar maior número de almas para Cristo.

As cartas do Apóstolo do Oriente estavam na ordem do dia, nos ambientes eclesiásticos romanos. Filipe reunira em torno de si um núcleo de discípulos mais próximos para auxiliá-lo no apostolado - os futuros sacerdotes da Congregação do Oratório, que ele fundaria em 1575 -, com os quais comentava as narrativas vindas da Índia, lamentando-se: "Que lástima existirem tão poucos operários para recolher semelhante colheita! Por que não vamos também nós ajudá-los?".8

Em insistente oração, eles imploravam luzes sobrenaturais para decidir sobre a viagem. A resposta veio pela palavra do abade cisterciense de Tre Fontane, a quem São Filipe consultara: "Roma será a tua Índia".9 Compreendeu nosso Santo que sua vocação era ser missionário na Cidade Eterna, onde o aguardavam sofrimentos, fadigas e sacrifícios, como talvez nem na Índia encontraria.

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A peregrinação das sete igrejas

Em 23 de maio de 1551, recebeu a ordenação sacerdotal. Contava 36 anos, e agora executaria, como ministro do Senhor, os trabalhos de sua vinha. No exercício do ministério sacerdotal, aos discípulos pobres se juntariam nobres, burgueses, artistas e cardeais. Qual o principal método de atuação escolhido por São Filipe para atraí-los? A originalíssima "peregrinação às sete igrejas".

O programa da "peregrinação" começava na Basílica de São Pedro, onde, após a leitura espiritual, fazia-se uma exposição doutrinária. Os participantes meditavam, comentavam, e Padre Filipe tirava a conclusão. Em seguida, todos se levantavam e se dirigiam para a Basílica de São Paulo, cantando hinos e salmos em compenetrada devoção. Ali chegando, ouviam uma nova conferência sobre a História da Igreja, a vida dos santos ou a Bíblia. E assim prosseguiam até o meio dia, quando assistiam à Missa e comungavam na Igreja de São Sebastião ou na de Santo Estêvão.Sao Felipe de Neri_1.jpg

Em seguida, servia-se uma refeição nos jardins da redondeza, sempre animada pela contagiante alegria de São Filipe. A "peregrinação" recomeçava com novo cortejo musical, passando por outros templos veneráveis. O número de conversões ultrapassava todas as expectativas.

Membros de importantes famílias, como a dos Médici e a dos Borromeu, estiveram, lado a lado, com crianças órfãs e humildes artesãos nesse exercício que, por seu fervor, censurava os cristãos tíbios e ao mesmo tempo os conclamava. Poderemos contar até mil pessoas peregrinando juntas num mesmo dia, entre elas quatro futuros papas - Gregório XIII, Gregório XIV, Clemente VIII e Leão XI - e o genial compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina. São Filipe, porém, dava pouca importância aos cargos e talentos, se discernia nas almas a fealdade do pecado. Ele cumpria sua missão de purificá-las e torná-las humildes, quaisquer que fossem.

Ao cair da tarde, findava a meditação na Basílica de Santa Maria Maior, todos voltavam para casa carregados de bons propósitos e, o que é mais importante, com força para cumpri-los.

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Santas peripécias

Entre os historiadores que retrataram a figura deste insigne Santo, alguns o descreveram com traços inexatos, como se ele fosse um comediante, interessado apenas em despertar o riso com seus ditos jocosos. Na verdade, a alegria deste varão sobrenatural provinha de sua união com Deus, do sentir em seu interior a presença consoladora do Espírito Santo e poder comunicá-la ao mundo. Melhor que ninguém, conhecia a imensa riqueza que significa a posse do estado de graça, bem preciosíssimo, em comparação com o qual nada tem valor. A consideração dos mistérios divinos o cumulava de imensa felicidade, e desta brotava a peculiaridade de sua atividade evangelizadora.

Seus métodos pitorescos e cheios de vivacidade, ele os empregava com muito critério e na hora certa, sempre visando extirpar ou ridicularizar o erro, conduzir à virtude e, por vezes, ocultar sua santidade ou seus dons sobrenaturais. Assim, por exemplo, se um penitente omitia na confissão algum pecado, ele dizia: "Falta tal pecado". Mas se alguém lhe perguntasse: "Como sabes que cometi também esse pecado?", sua resposta seria: "Pela cor do teu cabelo!".10 Evitava assim revelar o dom de discernimento dos espíritos com o qual a Providência o dotara.

Filipe obtinha de Deus o favor de muitos milagres, que o povo não deixava de relacionar com a eficácia de suas preces. Para evitar isso, ele arranjou uma grande bolsa, onde afirmava estarem preciosas relíquias. Tocava os enfermos com ela, e quando algum se curava, atribuía o fato ao poder das relíquias. Esse argumento convenceu a muitos, até o dia em que se fez uma grande descoberta: a sacola estava vazia!

Em certa ocasião, dois padres do Oratório tiveram um sério desentendimento e não queriam se reconciliar. Filipe chamou-os à sua presença e, em nome da santa obediência, mandou cada um deles cantar e dançar uma música folclórica para o outro. Com esse inusitado espetáculo, operou-se a reconciliação.

Numa "peregrinação às sete igrejas", São Filipe notou a presença de certa dama da nobreza que ostentava um aparatoso vestido, joias e imenso penteado. Percebendo não estar a senhora tão preocupada com as coisas de Deus quanto com sua aparência pessoal, o Santo pendurou- lhe no nariz seus próprios óculos. O público estalou em sonoras risadas. Ela entendeu a lição e terminou com devoto recolhimento o exercício começado com frivolidade.

Poderíamos multiplicar indefinidamente o relato de episódios como estes, todos surpreendentes, cheios de candura e de presença de espírito.

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"Eis a Fonte de toda a minha alegria!"

São Filipe Néri deixou este mundo aos 80 anos. Segundo o Cardeal Angelo Bagnasco, viveu numa época na qual "a Igreja conheceu um inaudito florescimento - seria mSAO FELIPE NERI_.jpgelhor dizer uma ‘verdadeira concentração'- de santos e santas que, por número e qualidade, dificilmente se encontra na História da Igreja".11 Nesse contexto, seu papel não foi pequeno.

Seu amor à Santa Igreja, sua entranhada devoção à Santa Missa e à Santíssima Virgem, somados à disposição de servir o próximo, produziram copiosos frutos. Sofreu o inenarrável por causa de uma frágil saúde, perseguições e invejas, sem por isso perder o sorriso, quase sempre mantido com heroísmo. No dia de sua morte, 26 de maio de 1595, ele ainda celebrou Missa, atendeu várias confissões e manteve com os padres do Oratório umas últimas horas de convívio. Ao receber o Viático, pronunciou estas palavras, resumitivas de sua existência: "Eis a Fonte de toda a minha alegria!".12

A Congregação por ele fundada, inovadora sob muitos aspectos, assumiu a missão de continuar sua obra baseada na caridade, isenta de rígidas normas que poderiam cercear uma atividade evangelizadora a ser exercida no meio do mundo, em benefício das almas imersas nas preocupações mundanas.

Conservam-se ainda hoje, como eloquentes testemunhas da "pentecostes de São Filipe, suas duas costelas arqueadas: uma no Oratório de Roma e a outra no de Nápoles. Essas preciosas relíquias parecem proclamar a seus filhos espirituais e a todas as almas chamadas à atividade apostólica: "Os homens que deixam seu coração moldar-se pela ação do Espírito Santo são os que verdadeiramente colaboram para renovar a face da Terra". (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2010, n. 101, p. 34 à 37)

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