“Abaixe o som” para as músicas que desvalorizam e instrumentalizam a mulher como se fosse objeto.

mulher-objeto

Que a mocinha, namorada ou a mulher amada simplesmente é um dos temas campeões de inspiração de compositores, não é novidade alguma. Aliás, esse é um tema bem recorrente e aposta certa de sucesso no âmbito da cultura musical brasileira. Das músicas ingênuas da era do iê-iê-iê às canções da bossa nova, passando pelos melodramas dos cantores que preenchiam as estações de AM e FM e os programas dominicais, as mulheres quase sempre eram exaltadas por suas qualidades e atribuições insubstituíveis, mesmo que fossem humildes e dedicadas servas do lar (com muito orgulho!).

Mais adiante, a década de 80 ainda se manteve firme na mensagem do romance que alavancava o ibope das novelas e a onda de pop-rock estreante no Brasil não soou muito machista, até porque o Love Metal unido ao ruído da tríade guitarra-bateria-baixo tupiniquim não causava tanto escândalo, não mais que as mínimas vestimentas das chacretes nas tardes de sábado.

Seguindo a linha do tempo, como a moda passa e poucos sobrevivem, a indústria fonográfica brasileira caiu em desespero e apostou em tudo, mas em tudo mesmo, sem medo de ser feliz, de vender muito e nem da censura cega. Deu um tiro certo na ignorância da grande massa consumidora dos programas musicais e impregnou nossos ouvidos com as mais diversas pérolas da música sertaneja, fechando com chave de ouro e agonizando nossos sentidos com a axé music e as bandas de forró de nomes esdrúxulos muito bem aceitas no nordeste, as quais emitem notas e arranham letras capazes de ruborizar o mais indiferente dos relativistas. São dessa geração letras paradoxais como “entre tapas e beijos, é ódio, é desejo, é sonho, é ternura”. Por favor, façamos uma pausa…Como assim? Que relação resiste a um ciclo desses? Aliás, que mulher que se diz “poderosa”, emancipada, dona se si, trabalhadora ou zeladora do lar e dos filhos resiste a um companheiro desses?

Prestem atenção: em apenas três parágrafos passamos da romântica “Se você quer ser minha namorada / Ah, que linda namorada / Você poderia ser” para a controversa “Um tapinha não dói, só um tapinha”, que foi interpretada como incitação da violência contra a mulher e foi amargamente e merecidamente alvo de ações judiciais.

Apesar do apelo de ONG’s, promotores e críticas da sociedade pensante, tudo continua igual, ou melhor, pior a cada dia.

Sobre as melodias de axé music, as danças e os refrões quase plágios de funk se confundem com os afro-ritmos e vez ou outra uma voz se levanta contra. E o que falar das bandas de forró com suas bailarinas insinuantes e letras que rebaixam a mulher  a objeto de prazer ou de derrota de um homem, muitas vezes usando termos que comparados a um dissonante funk carioca, o classificaria como canção de ninar? Fico me perguntando se as pessoas que ali estão olhando, ouvindo, repetindo os passos de dança nos shows não possuem um filtro ou óculos que lhes permita ver a que ponto chegaram, se comportando como marionetes inertes e justificando tudo em nome de sua necessidade de diversão.

Com o advento das redes sociais, memes e vídeos se multiplicaram, subcelebridades lançam seus hit’s e atraem milhares de jovens com um estilo que é bastante contraditório ao se intitular como sertanejo universitário. Ora, vejam só: o estilo sertanejo  antes atribuído a música caipira e brega elevou seu status uma vez que está associado à designação que se dá àqueles que entram e freqüentam a universidade. De um ambiente onde se fomenta a formação acadêmica paga com nossos impostos, a sociedade espera, no mínimo, agentes transformadores e contribuintes da elevação da escolaridade do país. Mas o que vemos é a difusão de um tipo que, independente do gênero, é símbolo de jovem baladeiro e feliz, que sai cantando por aí versos sugestivos como os entoados pela dupla Fernando e Sorocaba:

“Se hoje a mulherada já topa / Imagina na copa, imagina na copa
Se hoje a mulherada já gosta /Imagina na copa, imagina na copa”

Mais uma vez a imagem de mulher fácil e descartável se repete, avança em declínio e é alvo de um refrão aliado a rimas que já anunciam a imagem do Brasil como um país fornecedor de um produto atrativo e bastante disponível, além do churrasco, futebol e belezas naturais. Fico pensando onde estão as mulheres formadoras de opinião, resguardadas por leis cada vez mais específicas? Onde estão as “poderosas” que deveriam dar um show de protesto inconformadas com um país que é o 34o em casos de violência contra a mulher, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011.

Outra música lançada recentemente me chamou atenção por ser uma afronta (acredito eu!) principalmente às mulheres que sofrem ou já sofreram algum tipo de violência, além de denegrir e distorcer o verdadeiro aspecto de um relacionamento. Chama-se Cafajeste e quem canta é uma dupla de jovens com aspecto belo, branco e asseado de Patricinha e Mauricinho, ou melhor, Thaeme e Thiago. O refrão diz:

“Eu gosto é daquele cafajeste / Aquele que não liga / E que não me merece
Que só faz coisa errada / E que me enlouquece /Chega, faz e acontece
Eu gosto é desse animal / Por ele sou capaz / De crime passional
E de outras loucuras / Fora do normal /Amor, piração total”

Seria esse o sonho das “poderosas”? Um amor-piração total onde serão desvalorizadas, usadas e abusadas? Onde fica o enamoramento e o respeito à pessoa como um todo? Como fica o verdadeiro sentido da relação entre o homem e a mulher sonhado por Deus? Indo mais longe, como se sentem as mulheres violentadas das mais diversas formas quando ligam a TV e ouvem essa propaganda? Como se sentem as mulheres traídas, abandonadas, as que se achavam “poderosas”, mas que tiveram por companheiros homens que minaram sua auto-estima? Diante dessa realidade que ultrapassa o gênero musical e resvala em cheio na vida real, resta perguntar: pais, em que tom vocês querem formar suas filhas? Homens, que futuras esposas vocês sonham no seu lar? E você, jovem cheia de sonhos e planos, dona de um coração feito para amar e amar com a ternura própria que Deus lhe concedeu, que “poderosa” você quer ser?

Autora: Flávia Jorlane.

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