Testemunhas confirmam o que Bergoglio realmente fez durante a ditadura argentina.

 

 

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“A lista de Bergoglio. As pessoas salvas pelo Papa Francisco. As histórias nunca contadas” (prólogo de Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, Ed. Emi) é o título de uma pesquisa de Nello Scavo, jornalista do Avvenire, sobre as vicissitudes de várias pessoas – dissidentes, sindicalistas, sacerdotes, estudantes, intelectuais, crentes e não crentes – a quem o então Pe. Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, conseguiu salvar da perseguição militar.

O então provincial dos jesuítas havia construído uma rede clandestina para proteger os perseguidos (a quem oferecia uma série de conselhos sobre como despistar a polícia e a censura) e organizar as fugas ao exterior.

Além dos relatos em primeira pessoa dos perseguidos protegidos pelo padre que se tornaria Papa, o livro, que será lançado em 1º de outubro na Itália, contém depoimentos e documentos inéditos, entre eles a transcrição do interrogatório ao então cardeal Bergoglio, realizado em 2010, em qualidade de pessoa informada dos fatos, sobre a violação dos direitos humanos durante a ditadura. Emerge com força a integridade moral, a coerência, a coragem (muitas vezes colocando a própria vida em risco) do jesuíta que um dia seria o Papa Francisco.

Jesuíta com pouco mais de 80 anos, Juan Manuel Scannone é o representante máximo da que desde os anos 80 seria definida como “teologia do povo”. Hoje, Scannone é diretor do Instituto de Estudos Filosóficos da Universidade de Teologia e Filosofia San Miguel, a mesma da qual Bergoglio foi reitor entre 1980 e 1986.

“Agora que o meu amigo Jorge é ‘Papa Francisco’, posso contar que é verdade, sim: ele me protegeu, me salvou. E fez isso em várias circunstâncias.” A ditadura concebia a teologia do povo como uma ameaça, apesar de sua diversidade substancial dos chamados teólogos marxistas.

Sem distinções, foram perseguidos e torturados religiosos, leigos, catequistas, freiras comprometidas nas “vilas da miséria”. Para os militares, falar de opção preferencial pelos pobres se traduzia em comunismo.

“Uma vez, chegaram à noite. Derrubaram o portão e cercaram o edifício. Ainda lembro do som dos seus passos nos corredores. Estava escuro e não consegui ver quantos eram. Eu estava com muito medo. Senti-me no ponto de mira. ‘Vieram me buscar’, pensei.”

Por que precisamente o senhor?

Eles me consideravam como uma ameaça para o regime. Bergoglio me convenceu de que eu corria perigo. Naquela época, ainda tendo posicionamentos teologicamente diferentes (ainda que não tão distantes, eu acho), ele nunca quis que eu fosse silenciado. Nem sequer quando alguns bispos intervieram, dizendo-me que minha postura era incômoda.

Como Bergoglio reagiu à inspeção?

Ele nos motivou, tranquilizou todos e intimou os militares a sair por onde tinham entrado. Havia entre nós alguns jovens que tinham se apresentado onde estava o provincial como estudantes em retiro espiritual. Na verdade, foram necessários muitos anos para conhecermos toda a verdade sobre as ações de salvamento do Pe. Jorge.

Como o futuro Papa o protegeu dos militares?

Não foram anos fáceis. O Pe. Jorge cuidou de nós como era, por outro lado, seu dever. Hoje, as coisas podem ser vistas e julgadas com outros olhos, mas, naquela época, Bergoglio fez o que, em sua posição, deveria fazer.

Ele estava em constante contato com o padre geral, que estava a par do que acontecia, e nos dava conselhos sobre como evitar o controle imediato do regime, mas sem jamais renunciar às nossas ideias.

Até o ponto de proporcionar uma série de sugestões para não acabar “absorvido” em um campo de concentração?

O primeiro dos conselhos foi nunca enviar meus artigos e ensaios por meio da agência postal de San Miguel, e menos ainda de Buenos Aires. Ele suspeitava que toda a correspondência era controlada, bem como as conversas telefônicas.

Além disso, quando eu visitava os bairros aos quais atendia pastoralmente, o superior provincial me aconselhou que nunca fosse sozinho, e não somente por motivos de segurança. Assim, se viessem me prender, haveria testemunhas. Esta era uma das formas que Bergoglio nos sugeria para evitar desaparecer, engolidos no mais completo silêncio.

O padre provincial nunca disse aos professores e alunos do colégio qual era a verdadeira condição dos jovens perseguidos que foram acolhidos em San Miguel?

Bergoglio dizia que os jovens que vinham para o colégio estavam em fase de discernimento vocacional, ou que precisavam de ajuda nos estudos. Por isso, achávamos que era uma ajuda espiritual. Nunca suspeitamos de operações “clandestinas”.

O Pe. Jorge não manteve o silêncio só naquela época, senão que nunca quis se gabar desta sua missão particular. Ele trabalhou não somente para proteger, tutelar e salvar padres jesuítas e seminaristas, mas também para esconder jovens estudantes que eram alvo da ditadura: eles eram levados ao nosso colégio, com toda a cautela necessária, com o objetivo de estar a salvo dos sequestros da polícia.

Eram anos de medo…

O Pe. Bergoglio não podia correr riscos. Se um dos jesuítas do colégio tivesse sido sequestrado, quem garantiria que o azarado não seria submetido a torturas para revelar esta atividade secreta? Se os assassinos de Videla descobrissem atividades contrárias ao “processo de reorganização nacional”, certamente haveria consequências que só hoje podemos imaginar.

Finalmente, o caso Yorio e Jalics, os dois jesuítas sequestrados, torturados e libertados depois de quase seis meses…

O Pe. Jalics desmentiu qualquer envolvimento de Bergoglio. Pessoalmente, eu tinha certeza há anos, pois Bergoglio morava na nossa casa de San Miguel precisamente quando os dois padres desapareceram; ele me contava o que fazia e as informações que coletava para descobrir quem poderia tê-los sequestrado e onde estavam presos. Sou testemunha da preocupação e do compromisso do padre provincial para devolver a liberdade a ambos.

Bergoglio obteve informações precisas?

Sim, e deixou os generais com a corda no pescoço. No final, os dois padres foram libertados, mas não conseguiam dar informações precisas sobre quem os havia retido e torturado. Durante todo o período de detenção, ambos permaneceram sempre encapuzados e, antes de ser libertados, foram drogados.

É preciso reconhecer também que, com a ajuda do padre provincial, ambos conseguiram encontrar refúgio no exterior, para não voltar a um novo e mais dramático “desaparecimento”.

Fonte: Aleteia

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