Pode um cristão acreditar em “vidas passadas” e fazer terapia partindo delas?

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A edição número 2.003 da revista Isto É trouxe como matéria de capa um tema, no mínimo, curioso e instigante: “terapia de vidas passadas” (doravante, TVP).

Este assunto é de especial interesse no Brasil, apontado por estudiosos do fenômeno religioso como o maior país espírita do mundo. A reportagem apresenta vários relatos de supostas curas de traumas e dores que só aconteceram depois que os pacientes se submeteram ao polêmico tratamento.

Tratamento?

Profissionais da área psi (psiquiatras, psicólogos, psicoterapeutas e psicanalistas) em geral discordam veementemente de tal possibilidade. Todavia, alguns psicólogos dizem ser possível uma pessoa ter hoje um problema cuja causa esteja em uma suposta vida anterior.

Seguindo esta linha de raciocínio, a cura só será possível se a pessoa descobrir o que aconteceu no seu passado, anterior à sua vida consciente hoje. A Sociedade Brasileira de Terapia de Vidas Passadas realiza congressos sobre a temática.

No entanto, há que se destacar que o Conselho Federal de Psicologia, órgão oficial de reconhecimento de atividades na área, não reconhece a técnica. De fato, não há evidência científica segura que comprove a suposta eficiência da chamada TVP.É compreensível que pessoas em sofrimento apelem para tratamentos alternativos em busca de solução para seus problemas e dilemas. O problema é apelar para algo que poderá complicar ainda mais a situação. É o caso de quem recorre à TVP.

Segundo os testemunhos de supostas curas, as sessões de TVP são emocionalmente muito intensas. A pessoa é total ou parcialmente hipnotizada, de acordo com técnicas especiais de hipnose. Em estado inconsciente, poderá chorar, rir ou gritar. Invariavelmente, volta à consciência com relatos surpreendentes de uma outra vida supostamente vivida no passado. Mesmo que tais relatos sejam detalhados, isso não prova de maneira conclusiva que a pessoa tenha vivido aquela outra vida.

Por mais que os defensores da TVP queiram alegar neutralidade religiosa, dizendo que se trata de procedimento meramente científico, não há como separá-lo da crença religiosa espírita. O espiritismo kardecista e algumas das grandes tradições religiosas orientais, como o hinduísmo e setores do budismo, são reencarnacionistas, ou seja, acreditam na idéia de reencarnação. A TVP caminha nessa direção. Este é um caminho perigoso para quem quer resolver seus problemas, taras ou traumas; em vez de curar, pode complicar ainda mais a situação.

Não é difícil entender a razão: imaginemos o senhor X. Se ele é uma pessoa que acredita na tese reencarnacionista, ele não é ele mesmo, mas sim alguém que teria vivido antes. Digamos que o senhor X de hoje já foi na verdade o senhor Y ontem. Hoje X vai ser recompensado ou castigado conforme o bem ou o mal que Y teria praticado em uma vida anterior. Só que Y por sua vez é a reencarnação de alguém que teria vivido em um período ainda mais remoto, digamos, a senhora Z. Mas Z também não é Z… E assim vamos retrocedendo cada vez mais no tempo, ad infinitum.

Como X vai se curar de um trauma recorrendo a um tratamento na base da TVP, se Y, de quem ele supostamente seria reencarnação, também tinha seus problemas dos quais precisava se tratar? A conclusão é inevitável: a crença na tese da reencarnação tem o potencial de criar confusões mentais que podem gerar graves problemas de natureza psicológica e emocional. Não é sem razão que Machado de Assis, com o brilhantismo que lhe era tão característico, tenha escrito por cerca de trinta anos (1865–1896) diversas crônicas com críticas pesadas ao espiritismo, que começava a se inserir na sociedade carioca de então.

No livro Parapsicologia, Espiritismo e Psicopatologia, o psiquiatra Ronald Scott Bruno defende a idéia de que o espiritismo, por alguns motivos já mencionados, é fator potencialmente gerador de psicopatologias, isto é, transtornos e disfunções mentais. As ciências psicologicas serão muito mais úteis se ajudarem as pessoas a descobrirem as verdadeiras causas dos seus traumas, fobias e esquisitices, com sobriedade, sem apelar para elementos fantásticos como a TVP.

Aqui vale a pena reproduzir um trecho da citada reportagem da revista Isto É:

Na opinião do presidente do Conselho Federal de Psicologia, Humberto Verona, a cura acontece devido à sensação de conforto pelo fato de o paciente se identificar com o terapeuta. “Elas apenas encontraram no psicólogo uma compatibilidade de crenças que facilitou o processo terapêutico”, afirma. A psiquiatra Marli Piva acrescenta: “A pessoa já se sente aliviada só de achar uma explicação para o seu problema”, diz ela.

Para Gildo Angelotti, diretor-executivo do Instituto de Neurociência e Comportamento, de São Paulo, as vivências relatadas pelos pacientes surgem de memórias inativas que registram imagens de filmes, sons, histórias de livros e tudo que é percebido pelo indivíduo ao longo da vida. “É como um sonho. Quando a pessoa está dormindo, os sentidos são pouco requisitados e sobra mais espaço para o resgate destes registros históricos. Mas a reunião destes elementos vem da mente do próprio indivíduo, não de outras vidas.” Na opinião dele, a TVP chega a ser arriscada aos pacientes psicóticos ou esquizofrênicos, que podem ter uma reação violenta a partir das revelações ou ficarem obcecados em encontrar nesta vida as pessoas do passado.

Como se vê, não há evidência científica que aponte para a possibilidade de se tratar de uma vida passada.

E a teologia cristã, como vê a questão?

O cristianismo, herdeiro do judaísmo, rejeita a idéia de reencarnação. As Escrituras Sagradas não dão base para se pensar assim. Uma antropologia que admite as possibilidades de reencarnação e de tratamento de problemas supostamente acontecidos em uma vida pregressa é, no mínimo, confusa. Afinal, ninguém é ninguém. Não há idéia de personalidade. Não é possível se falar de identidade.
A antropologia bíblica, em contraste, aponta para outra direção, totalmente diferente: o ser humano, “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1.26-27), é único e, portanto, tem valor inestimável. A Bíblia diz que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27). Há quem veja a mensagem deste versículo como amedrontadora, pois fala de juízo. Mas a força do texto não está em ser assustador. Antes, indica de modo maravilhoso o valor da existência humana. Biblicamente, cada pessoa tem direito a uma identidade. A pessoa é quem é, não a reencarnação de alguém que viveu no passado, que por sua vez é a reencarnação de alguém que viveu ainda antes.

A vida apresenta situações difíceis para todos, provenientes da injustiça que os homens cometem contra seus semelhantes (C. S. Lewis, em O Problema do Sofrimento, afirma que 80% do sofrimento do ser humano é provocado pelo próprio ser humano) e de fatores que são conseqüência do pecado — afastamento de Deus. Bem afirmou o sábio do passado, ao observar como as pessoas vivem: “Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Ec 7.29).

Em vista disso, é importante procurar soluções para as crises, mas por meios de seriedade científica comprovada. Como cristãos, cremos que o progresso da ciência é dom de Deus para a humanidade. É o que a tradição teológica reformada chama de “graça comum” — bênçãos da parte do Deus, que faz com que o sol nasça sobre maus e bons e que a chuva caia sobre justos e injustos (cf. Mt 5.45). Não é este o caso da TVP.

Quem se submete a este tipo de tratamento pode, conforme apontado por alguns psicólogos, encontrar, na melhor das hipóteses, alívio temporário e ilusório. Felizmente, há esforços sérios na área da psicologia que conjugam técnicas e conhecimentos cientificamente comprovados com a mensagem bíblica da graça, do amor e da misericórdia de Deus.

Fonte: Carlos Caldas - Padom

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